Foi visto que as idéias iluministas acerca da liberdade estiveram presentes na independência da América Latina. Essas idéias levaram a adoção do republicanismo na maioria dos países da América. Contudo, apesar das características liberais, como a idéia da res publica, a liberdade e a divisão dos poderes, na prática o que ocorreu foi a absoluta hegemonia das antigas elites criollas.
Com a adoção do voto censitário as camadas populares foram excluídas do processo decisório, o que facilitou a concentração do poder nas mãos dos grandes proprietários. Por outro lado, a elite crioulla, agora detentora do poder, continuou discriminando os negros, índios e mestiços. Foram mantidos, igualmente, os grandes latifúndios, com a sua produção voltada para o mercado externo.
Como foi visto, o processo de independência do América Latina aconteceu a partir da iniciativa de várias lideranças locais. Essa ausência de um poder centralizado fez com que surgisse o caudilhismo. Os caudilhos eram líderes de milícias locais que tinham uma personalidade carismática e defendiam programas populistas, de tal forma que conseguiam a adesão de muitas pessoas.
Como o caudilhismo levava em conta os interesses particulares, locais e o culto a personalidade, acabou contribuindo grandemente para a instabilidade na América Latina. A partir do caudilhismo, se desenvolveu o militarismo, o contínuo desrespeito à ordem constitucional, a tradição autoritária e os sucessivos golpes militares.
Os primeiros a se declararem emancipados foram a Venezuela, México, Equador, Argentina, Paraguai e Uruguai. Nesse contexto várias lideranças se destacaram, entre as principais Simon Bolívar e San Martín.
Pode-se dizer que Bolívar era um homem a frente de seu tempo, que conseguiu perceber as circunstancia do momento e a condição em que se encontrava a América Latina. Entre os princípios defendidos por Bolívar pode-se destacar:
- Nações livres, sem nenhuma interferência das potências estrangeiras e totalmente independentes, tanto política como economicamente;
- União dos povos, tanto com objetivo de formar blocos, sejam políticos ou econômicos, como para discutir problemas de ordem mundial.
Bolívar sonhava em manter a unidade da América espanhola, onde prevalecesse a união das nações americanas com o objetivo de suportar a agressão e a opressão das grandes potências externas.
Contudo, os sonhos de Bolívar não se realizaram, muito ao contrário, o que se observou foi à fragmentação política da América espanhola. Entre os motivos que contribuíram para essa fragmentação, pode-se destacar:
- Surgimento de diversas lideranças políticas e militares.
- A amplidão dos territórios e a longa distância entre os principais núcleos de poder. Além disso, a própria dinâmica da colonização espanhola, vigente por séculos respeitava a máxima “dividir para melhor centralizar”, ou seja, a Espanha procurava desarticular as ligações entre os centros de poder na colônia, reduzindo assim a possibilidade de organização das diferentes regiões da colônia.
- O desinteresse dos ingleses em relação à idéia de uma grande nação na América, nos moldes planificados por Bolívar.
- As disputas pelo poder entre as oligarquias locais, além das diferenças culturais em se tratando do amplo território que consistia o Império espanhol.
San Martin
- O avanço da Revolução Industrial na Inglaterra. Durante séculos a relação entre a metrópole e a colônia foi pautada pelo exclusivismo comercial, ou seja, somente a Espanha poderia vender mercadorias e comprar matérias-primas de sua colônia. Contudo, a prática do monopólio comercial era amplamente desfavorável aos interesses ingleses e ao avanço da Revolução Industrial, na medida em que restringia as relações comerciais, onerava os produtos e impedia a livre circulação das mercadorias industrializadas na Inglaterra. Esse fator explica o interesse da Inglaterra na independência das colônias espanholas, ou seja, o rompimento do pacto colonial possibilitaria o estabelecimento do livre comércio e do desenvolvimento do capitalismo industrial.
- A rivalidade entre os criollos e os chapetones. Na colonização da América espanhola se desenvolveu uma hierarquia social baseada em critérios étnicos e geográficos. Nessa hierarquia, os espanhóis brancos, chamados depreciativamente de chapetones ocupavam o topo e ocupavam as principais funções e cargos político-administrativos da colônia. Abaixo dos chapetones estavam os criollos, que eram os descendentes de espanhóis nascidos na América, e que apesar de consistirem enquanto europeus de raça e cultura e formarem uma elite local de grandes proprietários e comerciantes, eram estigmatizados, ou seja, eram considerados inferiores, por não serem genuinamente europeus e não podiam ocupar os altos cargos da administração colonial.
Cabe ressaltar que os criollos foram fundamentais para a manutenção do “Pacto Colonial”, contudo, o seu gradativo fortalecimento enquanto uma elite local rica e poderosa, além do grande desagrado e rivalidade em relação aos chapetones fez com que se disseminasse entre essa elite a idéia da ruptura em relação à Espanha.
- Influência dos ideais iluministas e da independência dos Estados Unidos. Mesmo sendo proibidos na colônia, os escritos dos iluministas alcançaram um grande público na América espanhola, em especial os princípios acerca da liberdade econômica e individual. Ao mesmo tempo, a independência dos EUA serviu como exemplo para o processo de emancipação da América espanhola.
- A expansão napoleônica. A expansão de Napoleão mudou as relações de poder na Europa. A não aceitação por parte da Espanha em relação ao Bloqueio Continental, fez com que as tropas francesas invadissem a península ibérica. Em 1807 o rei da Espanha, Fernando VII é deposto e José Bonaparte, irmão de Napoleão assume o trono espanhol. Com as turbulências na Europa, o domínio espanhol no continente americano ficou desestruturado. Num primeiro momento a elite colonial criticava a dominação dos franceses, mas brevemente perceberam a possibilidade de utilizar o momento para questionar mais amplamente o sistema colonial.
Sem a intensa dominação da metrópole, os colonos trataram de se organizar
Um dos maiores problemas que as cidades enfrentam na atualidade é a especulação imobiliária. Muitas vezes, imobiliárias adquirem amplos terrenos em regiões estratégicas e utiliza-se de diversas estratégias para conseguir que o Estado invista em infra-estrutura nessas regiões, levando à valorização dos terrenos.
Em muitos locais as pessoas mais pobres são obrigadas a residir em bairros que passam a se constituir enquanto guetos. Fenômeno muito comum nos Estados Unidos, devido ao preconceito em relação a negros e latinos, esse fenômeno tem se repetido na atualidade em muitos países, como a França (argelinos), Alemanha (turcos), Portugal (moçambicanos) e até na Argentina (bolivianos).
As cidades no mundo contemporâneo apresentam com freqüência uma hierarquia baseada no poder econômico, onde as cidades maiores funcionam como pólos para as cidades menores. Um exemplo é de um estudante que é obrigado fazer um cursinho pré-vestibular em uma cidade vizinha, um pouco maior e que é um pólo regional. Porém, se passar no vestibular, esse estudante terá que se deslocar para a capital do estado, cidade maior e que disponibiliza cursos superiores. Ou seja, a polarização funciona na medida em que a cidade maior oferece uma variedade enorme de produtos e serviços, que invariavelmente não existem nas cidades menores.
Contudo, no mundo contemporâneo temos assistido a um processo inverso, onde indústrias e empresas migram dos grandes centros urbanos para cidades menores, que oferecem vantagens e benefícios. Esse fenômeno somente é viável devido à evolução das telecomunicações e dos meios de transporte. Nos dias de hoje, através da internet, por exemplo, a transferência de informações e a comunicação são instantâneas.
Muitas cidades podem alcançar um grau de importância e de polaridade tão grande que se tornam “cidades globais”. Essas cidades abrigam grandes empresas, bolsa de valores, infra-estrutura diversificada e sofisticada, tecnologia, economia dinâmicos, e inúmeros outros fatores, de tal forma que por sua importância essas cidades passam a fazer a ligação do país com o exterior.
A colonização inglesa foi efetivada a partir de duas lógicas: através da iniciativa de companhias de comércio, cujo objetivo era organizar plantações no território americano que visasse à exportação, como, por exemplo, a Virgínia em 1607; ou através da iniciativa de particulares, especialmente refugiados puritanos (calvinistas) que fugiam da perseguição da Igreja Anglicana, como, por exemplo, Massachusetts, em 1620.
Assim, de uma forma geral observa-se a fundação de colônias por líderes religiosos ao Norte. Essas colônias receberam o nome de Nova Inglaterra. Nessas colônias desenvolveu-se a agricultura de subsistência nas pequenas e médias propriedades, com mão-de-obra assalariada, trabalho familiar, ou a servidão temporária, além das manufaturas, em especial a construção naval. A servidão temporária dizia respeito aos empobrecidos europeus (geralmente afetados pelos cerceamentos dos campos ingleses) que desejavam migrar para a América e não tinham dinheiro para custear a viagem. Essas pessoas se comprometiam a trabalhar por alguns anos (normalmente seis) nas terras de colonos americanos para pagar as dívidas da viagem; paga a dívida essas pessoas estavam liberadas para buscar a sua sorte na América.
Na região central da América do Norte, foram fundadas outras quatro colônias, entre elas Nova Iorque. Essa região foi ocupada por ingleses, mas também por holandeses e suecos. Desenvolveram-se algumas manufaturas e com grande sucesso a agricultura baseada nas pequenas e médias propriedades.
Uma característica marcante da colonização inglesa foi o chamado Comércio Triangular, que estabelecia ligações comerciais entre as colônias do norte e do centro, as Antilhas e a África. Os navios costumavam partir da Nova Inglaterra, carregados de produtos e aportar nas Antilhas. Nas Antilhas esses produtos serviam como base para a negociação do melaço, subproduto da cana-de-açúcar, que era amplamente cultivada nas terras antilhanas. Esse melaço servia para a produção do rum, nas próprias colônias americanas, que era utilizado para a aquisição de escravos na costa da África. Esses escravos foram introduzidos aos milhares nas colônias do sul, onde se desenvolveu as plantation, típica do sistema colonial, onde prevalece as grandes propriedades, com a utilização de escravos e a monocultura que visa a abastecimento do mercado externo, em complemento à economia metropolitana.
Uma diferença fundamental em relação à colonização espanhola e inglesa é que no caso espanhol existia o monopólio da exploração e do comércio colônias; no caso inglês, havia certa negligência em relação às colônias americanas – movido por problemas internos, por qual a Inglaterra passava – o que favoreceu o florescimento da atividade comercial. Essa “negligência” fez com que se se desenvolve na América inglesa, especialmente na Nova Inglaterra uma noção de autogoverno, que foi fundamental para o desenvolvimento do processo de independência da América do Norte no século XVIII. As singularidades que as colônias do norte apresentavam fizeram com que essas regiões fossem denominadas de colônias de povoamento, em oposição ao modelo das colônias sulistas da América, ao modelo português e espanhol, que ficou conhecido como colônias de exploração.
Se num primeiro momento essa ocupação aconteceu por empresas particulares, muito rapidamente a coroa inglesa percebeu que era estratégico impor o seu poder nessa região, para controlar, principalmente, a produção e comercialização dos metais preciosos encontrados na América, através da prática do monopólio comercial, além de evitar a sonegação dos tributos, que eram essenciais para a manutenção do projeto colonizador.
Outra conseqüência da presença do estado espanhol na América foi a proibição da escravização dos indígenas. Contudo, se a escravização cessou, instituiu-se o trabalho compulsório dos nativos, ou seja, obrigatório.
Pode-se perceber que os espanhóis estavam desestruturando a forma de vida dos indígenas americanos e incorporando novas estruturas de poder, que visavam, sobretudo, a potencialização dos lucros e o controle da lucrativa colônia espanhola.
Suprimindo o poder dos adelantados, a coroa espanhola tratou de criar vice-reinos, que estavam subordinados à metrópole:
Vice-Reino da Nova Espanha – criada em 1535, atual Cidade do México, antiga Tenochtitlán, centro da Confederação Asteca.
Vice-Reino do Peru – criada em 1543, com a capital em Lima.
Vice-Reino da Nova Granada – criada em 1717, com capital em Bogotá.
Vice-Reino do Rio da Prata – criado em 1776, com capital em Buenos Aires.
Apesar da estruturação administrativa da colônia, todo o controle das atividades comerciais e da aplicação das leis era feito a partir da Espanha. A execução dessas leis ou decisões comerciais tomadas pela metrópole ficava a cargo, principalmente, das audiências, que funcionavam como tribunais, e constituíam a instituição de maior poder na América. No âmbito local, ou seja, nas cidades, as principais instituições eram os cabildos. Os cabildos eram responsáveis pelo recolhimento dos impostos e pela aplicação da justiça
Organização econômica
No campo econômico coroa espanhola estruturou sua área de dominação tendo em vista o comprimento de seu principal objetivo: explorar as riquezas do novo continente, em especial, os metais preciosos. Nesse sentido, valeu amplamente da escravização dos indígenas, o que garantia um grande contingente de mão-de-obra.
O relacionamento econômico entre a metrópole e a colônia ficou conhecido como “Pacto Colonial”. Essa relação previa, por um lado, a exploração monopolista das riquezas da colônia, que eram revendidos na Europa gerando imensos lucros; por outro, dizia respeito ao controle da venda das mercadorias européias na América, o que, igualmente, gerava imensos lucros. Como se pode perceber a expressão “Pacto Colonial” é incorreta uma vez que a relação entre metrópole e colônia era assimétrica e baseada no exclusivismo comercial, ou seja, quem sempre saia ganhando era a metrópole, ou então a elite local, que detinha as principais atividades econômicas na América. Não se tratava, portanto, de um pacto, mas sim de uma imposição.
Com a proibição da escravização dos indígenas americanos, que aconteceu em 1542 (através das “Novas Leis”) os espanhóis passaram a adotar o trabalho compulsório, ou seja, apesar de não ser escravo os indígenas continuavam sendo obrigados a trabalhar em prol do enriquecimento dos espanhóis e da elite local. As principais formas de trabalho forçado foram o repartimiento, a encomienda e a mita.
Repartimiento – cada comunidade indígena deveria fornecer uma quantidade de trabalhadores para executar atividades para a coroa espanhola. Esses indígenas eram encaminhados a um juiz repartidor, que disponibilizava os trabalhadores para os interessados. Na prática, o repartimiento favoreceu amplamente os altos funcionários da coroa espanhola, que enriqueciam a custa da exploração do trabalho indígena.
Encomienda – como prêmios por seus grandes esforços na conquista do novo mundo, muitos adelantados poderiam ser agraciados através da encomienda. Essa força de trabalho compulsório previa a entrega de comunidades indígenas inteiras (em encomenda, ou seja, aos cuidados) de determinados conquistadores, por exemplo. Esses ficavam responsáveis pela catequização, proteção e pelo pagamento de seus tributos à Coroa, contudo, em contrapartida, exigiam prestação de trabalho e tributos em gêneros.
Mita – característica da região do Império Inca estabelecia que as regiões dominadas enviassem periodicamente homens para prestar serviços. Depois de alguns meses esses homens retornavam às suas comunidades, que deveriam encaminhar um novo grupo de homens.
O maior êxito econômico espanhol na América se refere à extração metálica. Estima-se que nos primeiros 150 anos de colonização espanhola tenha sido produzido algo em torno de 25 milhões de quilos de prata. Sendo que a maior parte dessa produção foi parar nos cofres da coroa espanhola ou nas mãos sedentas da burguesia metropolitana. A respeito do papel que os indígenas desempenharam nessa exploração, o Frei Domingo de Santo Tomás afirmou no século XVI: “Não é prato o que se envia à Espanha, é suor e sangue dos índios”.
Com o declínio da exploração de minérios, que aconteceu no século XVII (em grande parte devido à tragédia demográfica dos índios na América) se desenvolveu em várias áreas a pecuária ou a agricultura baseada na plantation, com a monocultura voltada para o mercado externo e a utilização de escravos, de origem africana.
Sociedade e cultura
No que diz respeito à cultura e a sociedade que se organizou no Império espanhol, pode-se destacar a Hierarquia baseada, especialmente, em critérios étnicos. Essa hierarquia seguia estabelecia a seguinte ordem:
No topo desta hierarquia social estavam os brancos que representavam a Espanha na América, chamados de chapetones (América do Sul) ou guachupíns (no México).
Depois vinham os descendentes de espanhóis nascidos na América, conhecidos como criollos. Os criollos formavam uma elite local e ocupavam cargos importantes, contudo, estavam abaixo dos chapetones.
O grupo seguinte era o dos mestizos. Como foi visto um resultante do contato entre indígenas e espanhóis foi a mestiçagem, unindo, geralmente homens brancos com índias. Os mestiços ocupavam uma posição inferior na hierarquia social, dedicando-se a tarefas subalternas, como artesãos, feitores, peões, etc. Os mestiços, dependendo da cor da pele poderiam almejar a condição de criollos.
Abaixo dos mestizos, vivendo em péssimas condições, encontravam-se os índios, que como foi visto estavam acuados por obrigações compulsórias, como a mita ou a encomienda.
Por fim, a base da hierarquia social era formada pelos escravos trazidos da África, que consistia na mão-de-obra preponderante na plantation. Os negros e indígenas sofriam com extremo preconceito por parte dos espanhóis e das elites locais.
Uma diferença importante entre a colonização da América espanhola e a colonização inglesa e portuguesa diz respeito à importância das cidades no Império espanhol. Devido à atividade mineradora, desde os primeiros anos de colonização formaram-se inúmeras cidades, muitas delas onde antes havia importantes centros do Império Asteca e Maia. Em termos de comparação, em 1607, data em que foi fundada a primeira cidade inglesa na América (Virgínia) já existiam mais de duzentas cidades na América espanhola.
Nessas cidades desenvolveram-se inúmeras universidades, as primeiras ainda na década de 1550, na Cidade do México e no Peru. Ao contrário do Brasil, a imprensa também foi introduzida desde cedo no América espanhola, ainda no século XVI.
Essas regiões acabaram sendo exploradas pelos ingleses, com expedições de descoberta durante o século XVI, abrindo caminho para uma efetiva ocupação desses territórios durante o século XVII. Da mesma forma que os espanhóis, os ingleses encontravam pela frente centenas de tribos indígenas, com uma diversidade cultural e lingüística impressionante.
Novamente se fez o uso das empresas particulares, que recebiam concessões da coroa inglesa para a exploração do Novo Mundo. A principal estratégia dessas empresas era a violência, levando ao extermino de tribos trigos inteiras ou forçando a população nativa migrar para o oeste do país. Não existia nenhum impedimento moral em relação à matança uma vez que os povos indígenas eram considerados inferiores; observe o relato de colono Jonas Michaelius:
“Quanto aos nativos deste país, encontro-os totalmente selvagens e primitivos, alheios a toda decência; mais ainda, incivilizados e estúpidos, como estacas de jardim, espertos em todas as perversidades e ímpios, homens endemoniados, que não servem a ninguém senão o diabo.”
Pode se perceber uma diferença fundamental entre o as relações entre os indígenas e respectivamente os espanhóis e os ingleses. Se no caso da conquista espanhola houve a preocupação – dentro do contexto das reformas religiosas que estavam balançando a Europa – de tentar converter os indígenas ao catolicismo, de integrá-los a um modelo de sociedade que os espanhóis estavam interessados em reproduzir, quase sempre com a utilização das missões jesuíticas e da catequese, no caso da conquista inglesa, apesar de algumas tentativas no início da colonização, não houve a preocupação em converter os indígenas, que foram apartados, expulsos de seus territórios, ou simplesmente exterminados.
Contudo, ao contrário do se possa pensar, a conquista da América por espanhóis e ingleses não aconteceu passivamente, ou seja, sempre houve a resistência dos povos indígenas, com ataques a vilas e povoamentos, rebeliões e até mesmo, com massacres de populações européias estabelecidas na América. Exemplo dessa resistência secular é inúmeros elementos culturas, rituais, festivos, além de línguas e dialetos que ainda existem em boa parte da América, em especial na América espanhola. A ilustração abaixo, do século XVI, demonstra a violência utilizada pelos conquistadores durante a conquista da América.
Estima-se que a população indígena na época da chegada dos europeus era de algo em torno de 80 milhões. Essa gigantesca população indígena foi em sua maioria subjugada, sendo que populações inteiras acabaram exterminadas. Para se ter uma idéia, na região central do México existia 25 milhões de índios no começo do século XVI, sendo que menos de 100 anos depois essa população estava reduzida a apenas 1 milhão. Pode-se dizer, portanto, que a principal marca da conquista dos povos indígenas é a violência.
Mas de que forma os europeus conseguiram dominar e exterminar uma população tão grande de indígenas? Entre os principais mecanismos utilizados pelos espanhóis pode-se destacar:
A superioridade bélica
As armas (como os canhões, as pistolas as espadas, escudos e armaduras) eram muito superiores às armas utilizadas pelos indígenas, normalmente feitas de madeira, como as flechas as lanças e os tacapes. Os estrondos das armas de fogo dos espanhóis transformavam-se em trovões aos ouvidos dos indígenas, algo até então nunca visto por eles.
Outro elemento que favoreceu os europeus era a utilização de cavalos. Até então desconhecidos dos indígenas americanos os cavalos europeus causavam verdadeiro espanto e fascinação. Em campo aberto garantiam aos europeus grande mobilidade, além de causar perplexidade entre os indígenas que ficavam mais preocupados em tentar abater o animal do que os cavaleiros.
A legitimidade religiosa
Se a reforma religiosa sacudiu a religião dominante na Europa dando vazão às guerras de religião e fazendo com que o catolicismo perdesse um grande número de adeptos, com a conquista do Novo Mundo surgia a possibilidade da conversão de milhões de indígenas ao catolicismo.
Assim a religião servirá ao mesmo tempo como justificativa: a salvação dos indígenas, tirando-os de seus hábitos selvagens, ou seja, os europeus eram responsáveis por levar a civilização e a verdadeira religião aos infiéis; e instrumento de dominação (com a utilização da catequese – recentemente introduzida com a Concílio de Trento – e a desestruturação do mundo psíquico dos indígenas). A respeito dessa questão, observe a justificativa do cronista Francisco Lopes de Gómora:
“Assim, não pense ninguém que foram tirados o poder, os bens e a liberdade dos indígenas: e sim que Deus lhes concedeu a graça de pertencerem aos espanhóis, que os tornaram cristãos (...). Ensinaram-lhes latim e ciências, que valem mais do que toda a prata e todo o ouro que eles tomaram. Porque, com conhecimentos, são verdadeiros homens, e da prata nem todos tiravam muito proveito”.
A desestruturação das formas de trabalho – Com a gradativa dominação dos povos indígenas os espanhóis ocasionaram também uma desestruturação nas atividades de subsistências. Na medida em que deslocavam milhares de habitantes para a exploração das riquezas minerais os espanhóis comprometiam a produção de alimentos, levando populações inteiras a perecerem de fome.
O choque biológico – Os espanhóis trouxeram consigo inúmeras doenças, como a varíola e o sarampo. Essas doenças proliferaram com muita rapidez e encontravam povos que não tinham nenhuma imunidade. Esse choque biológico foi responsável por milhares de mortes no Novo Mundo.
O período de conquista se estendeu por praticamente todo a século XVI, apesar de oficialmente ter se encerrado em 1556, quando ao rei Felipe II tomou uma série de medidas para abrandar a autoridade e a violência dos conquistadores (que em sua maioria eram grupos particulares que recebiam da coroa a autorização para conquistarem territórios e riquezas em nome do rei).
Esses conquistadores, chamados também de adelantados, chegavam à América com recursos próprios, trazendo consigo um pequeno exército e a resolução de não voltarem de mãos vazias. Entre os principais conquistadores se destacaram Hernán Cortez que conquistou a Confederação Asteca, no México, e Francisco Pizarro que conquistou o Império Inca, na região do Peru.
Num primeiro momento interessava a coroa inglesa a conquista do território e a dominação dos povos indígenas, era, portanto, admissível às empresas particulares. A partir da segunda metade do século XVI, contudo, essa autonomia passou a incomodar a Espanha, que passou a interferir e agir no sentido de impor a vontade do soberano nas regiões já conquistadas. Ilustração do século XVI retratando as atrocidades cometidas pelos espanhóis na América.
Ao contrário do que possa se pensar a reforma na Igreja Católica não foi marcada pela renovação, mas pelo conservadorismo. Essa reação e reafirmação da fé dentro da Igreja Católica vão encontrar seu ponto máximo no Concílio de Trento (1545-1563), convocado pelo papa Paulo III. O Concílio de Trento é considerado um dos mais importantes de toda a história da Igreja Católica, foi o mais longo e especificou claramente o corpo de dogmas e doutrinas do catolicismo. Entre os principais pontos, destacam-se:
A reafirmação dos dogmas do catolicismo e a condenação das novas religiões. Inclusive abolindo-se todas as variações locais das missas e estabelecendo um padrão único.
A confirmação dos sete sacramentos (batismo, eucaristia, crisma, penitência, confissão, ordem, matrimônio, extrema unção, unção dos enfermos). Pode-se perceber que a presença de Cristo na Eucaristia, muito criticada pelos protestantes, foi mantida.
Reafirmação da superioridade do papa na hierarquia da igreja. A Revelação divina se transmite pelas escrituras, contudo, essas escrituras estão subordinadas a Tradição da Igreja, e a palavra do papa estão acima das escrituras. Ou seja, as escrituras devem ser interpretadas pela Igreja e de acordo com a Tradição Católica.
Manteve-se a hierarquia, mas procurou-se estabelecer um novo código de disciplina para os membros do clero, inclusive, com maior observância do celibato.
Reafirmou que a Salvação é alcançada pelas boas obras e pela fé, e que o perdão é obtido por meio da penitência.
Criou seminários e estabeleceu o catecismo, além de melhorar a preparação dos clérigos. A criação do catecismo vem de encontro à idéia de acesso às escrituras, que acompanhou as Igrejas Protestantes. Contudo, apesar de ampliar o acesso a doutrina católica, mantinha-se a idéia da doutrinação. Ao mesmo tempo, procurava-se levar o catolicismo ao Novo Mundo, que começava a ser explorado pelos europeus. Destacam-se nesses campos a Companhia de Jesus (Jesuítas), que se preocupava com a educação e catequese, com grande atuação na América Espanhola.
Instituição do índice dos livros proibidos (Índex), longa relação de livros que passaram a ser terminantemente proibidos e queimados pelas Igreja Católica, muitas vezes acusados de conterem “bruxaria”.
Reorganização do Tribunal do Santo Ofício, com a função de julgar o devido cumprimento dos dogmas e da ortodoxia católica. O Tribunal do Santo Ofício foi eficaz na perseguição dos heréticos.
Sinal dos novos tempos, o turbilhão reformista atingiu a religião dominante na Europa, levando a criação de novas Igrejas. Se antes a intolerância era dirigida, principalmente, na direção dos hereges, agora um clima de intolerância se acentuava entre os próprios cristãos, dando origens a perseguições e guerras de religião.
Por outro lado, a desestabilização na religião católica favoreceu e, de certa forma foi senão incentivada, certamente, apreciada pelos reis, que ansiavam em centralizar o poder político e subjugar a religião ao poder temporal. No campo econômico, com o protestantismo delineava-se uma nova ética protestante, de austeridade em gastos exuberantes, mas também de acumulação desenfreada, que vai favorecer o florescimento do capitalismo.
Como vimos às novas idéias pregadas pelos pensadores protestantes estavam se espalhando por toda a Europa. Na Inglaterra, uma série de questões levou o rei Henrique VIII, (1509-1547), até então fiel aliado do papa a romper com a Igreja Católica e fundar em 1534 a Igreja Anglicana, da qual se tornou o chefe absoluto. Entres os fatores que levaram a ruptura pode-se destacar:
A não aceitação da interferência da Igreja Católica nos assuntos políticos da Inglaterra.
A ambição de o estado inglês confiscar as propriedades da Igreja Católica no país, só de mosteiros eram mais de 800, fortalecendo a monarquia, principalmente em relação à nobreza.
A famosa recusa ao pedido de divórcio do rei Henrique VIII. O rei queria acabar o seu casamento com a espanhola Catarina de Aragão, com quem havia tido uma filha e contrair novo matrimônio com Ana Bolena, contudo, não foi autorizado pelo papa. Insatisfeito com a recusa Henrique VIII forçou o alto clero inglês e o parlamento a reconhecerem a validade de seu divórcio, dando origem à ruptura e a formação da nova igreja na Inglaterra.
Todos na Inglaterra foram obrigados a submeter-se e jurar obediência ao rei da Inglaterra e não ao papa e quem não aceitou a nova autoridade religiosa foi duramente perseguido pela igreja, como no caso do famoso Tomas More, que apesar de ter ocupado alto cargo no estado inglês e ser amigo do rei, acabou decapitado.
Com a morte de Henrique VIII ocorreu uma série de lutas religiosas dentro da Inglaterra. A religião anglicana somente foi consolidada no reinado de Elizabete I, filha de Ana Bolena.
As principais idéias defendidas por Calvino ficaram evidenciadas em sua obra Instituições da Religião Cristã, publicada em 1535:
Livre interpretação da Bíblia, o homem pode ter acesso direto às escrituras, sem a necessidade de nenhum intermediário.
Extinção da hierarquia eclesiástica, e do celibato clerical.
Aceitação de apenas dois sacramentos: batismo e eucaristia.
Assim, nada que os homens pudessem fazer mudar-lhe-ia o seu destino, que já estava previamente traçado. Contudo, havia maneiras de tentar descobrir essa predestinação, por exemplo, a fé existente em algumas pessoas poderia ser um indicativo de que determinada pessoa pertencia ao grupo dos eleitos. Essas pessoas teriam um desejo irresistível de combater o mal no mundo e viver de forma austera e disciplinada. Outro sinal de que a pessoa havia sido agraciada por Deus era a prosperidade econômica. O enriquecimento material passou a ser interpretado pelos calvinistas como um sinal de que aquela pessoa pertencia ao grupo dos eleitos. Essa idéia favoreceu amplamente a classe burguesa e o desenvolvimento da idéia do trabalho e da acumulação de capitais, ou seja, a riqueza passou a ser associada à virtude.
Num primeiro momento, as críticas de Lutero pretendiam apenas reformar a Igreja, discutir e corrigir imprecisões e não romper ou criar uma nova Igreja. Em 1515 Lutero afixou nas portas de uma igreja alemã as famosas “95 Teses”, onde criticava a idéia de que a salvação poderia ser comprada. Dava inicio a uma longa discussão entre Lutero e as autoridades eclesiásticas, que vai levar a sua excomunhão em 1520.
Acaba, então, se refugiando na região da Saxônia. Nessa época havia um clima propício para a disseminação das idéias de Lutero no Sacro Império Romano Germânico, que era formado por inúmeros principados. Esses principados estavam descontentes com o comando do Imperador, da espanhola dinastia dos Habsburg que eram aliados do papa, além de criticar a Igreja, que eram dona de uma grande quantidade de terras. As classes sócias também culpavam em parte a Igreja pela penúria pela qual passavam.
E nesse clima favorável que Lutero vai desenvolver os pontos principais de sua doutrina:
A salvação pela fé. Esse princípio alterava drasticamente a imagem de um Deus severo, para a contemplação da figura de um pai compassivo. Ao mesmo tempo, diminui a importância dos atos, na medida em que todos de qualquer forma são pecadores, então, não são a obediência ou principalmente as ações que vão proporcionar o paraíso e sim a sua fé. Por outro lado, se é a fé que salva, a Igreja torna-se apenas útil para a salvação, mas não necessária.
Extinção da hierarquia eclesiástica e do celibato.
Utilização das línguas nacionais, para permitira o acesso a Bíblia.
As idéias de Lutero e a expansão do movimento darão origem a revoltas camponesas de grande proporção. Liderados por Thomas Munzer, a partir de 1524 os camponeses vão lutar violentamente pela posse de terras e pelo fim dos privilégios. A repressão foi brutal, as classes dominantes, inclusive por ocasião do apoio de Lutero, vão esmagar os revoltosos, ocasionando a morte de mais de cem mil pessoas. Lutero enfatizava que os princípios da Reforma eram religiosos e não sociais, nada justificava, portanto a revolta dos camponeses.
Obtendo o apoio de nobres poderosos o Luteranismo vai rapidamente se disseminar por vários países europeus aumentando intensificando as diferenças em relação em Roma. O que era para ser uma reforma vai acabar se transformando em uma ruptura que será aceita por Roma apenas em 1555, não sem lutas escarnecidas e milhares de mortes. Abaixo uma ilustração de Lutero na Dieta de Worms. Lutero havia sido chamado para desmentir suas idéias, o que não aconteceu.
Despreparo intelectual e imoralidade de inúmeros membros do clero. Como foi visto no trecho do filme Il Decameron, a autoridade religiosa aparece associada à riqueza. Boccacio vai denunciar exatamente essa riqueza dos clérigos que não condiz com os princípios do cristianismo dos primeiros evangelistas, além de criticar os abusos de autoridade e a imoralidade desenfreada.
A corrupção disseminada no clero. Para aumentar os ganhos Roma praticava o valorizado comércio das relíquias sagradas. Por um bom dinheiro qualquer um poderia se tornar proprietário de um espinho da coroa de Cristo, ou de um pequeno pano embebido pelo sangue do Salvador, ou ainda um dos ossos de um dos santos da Igreja, ou um óleo sagrado, e com muito dinheiro até mesmo uma cabeça inteira de um santo. Alguns dos grandes monarcas europeus costumavam ter coleções de relíquias que exibiam com grande triunfo. Se não bastasse a venda de relíquias, a Igreja passou a vender também as indulgências, ou seja, o perdão dos pecados. Por um bom dinheiro poderia se comprar um título que assegurava a salvação da alma e a entrada no reino dos céus. Se você não tivesse tanto dinheiro assim, poderia, ao menos, garantir ao menos um lugar no purgatório.
A crescente influência dos pensadores humanistas, que, ao defenderem a dignidade do homem e a sua incrível capacidade de criar e investigar a natureza se contrapunha ao papel da Igreja como intermediária entre os homens e Deus. Para os humanistas a emancipação do homem, sua individualidade, deveria se manifestar, inclusive, em seu relacionamento com Deus.
A invenção da imprensa e a multiplicação de traduções da Bíblia para as línguas vulgares, além do aumento dos estudos e escritos religiosos. Essa divulgação dos textos sagrados contribuiu para o surgimento de diversas interpretações, recuperando idéias como a de Santo Agostinho, que afirmava que a salvação do homem era alcançada pela fé.
A intensificação do conflito entre o poder temporal e o poder espiritual numa época em que se acelerava a centralização do poder político nas mãos dos reis, sob a forma das monarquias nacionais, e os diferentes estados começam afirmar suas diferenças em relação à língua, costumes e tradições. Os reis passaram a questionar a interferência da Igreja em seus estados, ou seja, a Igreja passa a ser vista, cada vez mais como uma entidade estrangeira. Além disso, havia a disputa em termos das riquezas da Igreja espalhadas por toda a Europa, como a grande quantidade de terras. Essas riquezas passaram a ser cobiçadas pelos monarcas europeus, que pretendiam fortalecer seu poder.
Abaixo, as duas imagens retratam a venda de indulgências, uma das principais críticas dos reformistas. A primeira imagem é de Jorg Breu, datada de 1530. A segunda de Lucas Cranach, de 1521.
Como foi visto a partir do século XIV a Europa vai passar por várias alterações, como o movimento das Grandes Navegações, que representava um continuísmo na grande aventura das Cruzadas; o movimento Renascentista, que influenciou várias áreas do pensamento humano e propôs uma nova forma de se pensar o homem e o universo; e a centralização do poder nas mãos dos reis, na formação dos Estados Absolutistas.
Todas essas modificações acabaram influenciando a Igreja Católica. Alguns homens, no seio da Igreja não concordavam com determinadas práticas e propunham uma revisão das práticas religiosas. No século XVI essa reforma vai se precipitar em uma ruptura da Igreja Cristã na Europa Ocidental, dando origem as chamadas religiões protestantes que acabaram por se tornar hegemônicas em vários países da Europa.
Como foi visto o Renascimento questionava em vários pontos o poder da Igreja Medieval, que os humanistas consideravam muitas vezes obscurantista, marcado pela irracionalidade e pelo misticismo. Durante o período final da Idade Média, marcado pelas guerras e pela peste que assolou a Europa, havia vários questionamentos em relação a alguns dogmas e a ortodoxia da Igreja católica, no que ficaram conhecidos como heréticos. Ainda no século XII, os chamados Valdenses (que seguiam Pedro Valdo) afirmavam que a bíblia deveria ser escrita em linguagem popular e que todos deveriam ter acesso as escrituras. Os valdenses foram duramente perseguidos pela Igreja.
No século XIV o inglês e doutor de teologia pela Oxford, John Wycliff, levantou diversos questionamentos em relação à Igreja. Pregava o retorno dos princípios pregados pelos primeiros evangelistas, como a pobreza e a distribuição da riqueza para os pobres. Defendia que o poder da Igreja deveria ser limitado às questões espirituais e que o poder do Estado deveria ser exercido pelo rei. Suas idéias seriam utilizadas por outro pensador, teólogo e reitor da Universidade de Praga, Jan Huss. Huss se ocupou em criticar duramente os escândalos de inúmeros clérigos, e chegou a afirmar que ninguém é representante de Cristo se não imitar os seus costumes, além de criticar a venda de indulgências e a hierarquia religiosa. John Wycliff acabou excomungado e Huss foi queimado vivo em 1415.
A pandemia caracterizou-se mundialmente pela elevada mortalidade, especialmente nos sectores jovens da população. Calcula-se que afetou 50% da população mundial, tendo matado entre 20 e 40 milhões de pessoas, pelo que foi qualificada como o mais grave conflito epidêmico de todos os tempos. A falta de estatísticas confiáveis, principalmente no Oriente (como na China e na Índia) pode ocultar um número ainda maior de vítimas. No Brasil foram registradas em torno de 300 mil mortes relacionadas à epidemia. A doença foi tão severa que vitimou até o Presidente da República, Rodrigues Alves, em 1919. Só em São Paulo a gripe espanhola matou mais de 5000 paulistanos.Nos jornais prevalecia o humor negro que não deixava de retratar com isso o surto da doença e a sua alta taxa de mortalidade.
Os primeiros casos conhecidos de gripe ocorreram em Abril de 1918 com tropas francesas, britânica e americanas, estacionadas nos portos de embarque em França. A epidemia se alastrou rapidamente pelos países em guerra, derrubando soldados de várias nacionalidades. Em Maio, a doença atingiu a Grécia, Espanha e Portugal. Em Junho, a Dinamarca e Noruega. Em Agosto, os Países Baixos e a Suécia. Todos os exércitos estacionados na Europa foram severamente afetados pela doença, calculando-se que cerca de 80% das mortes da armada dos EUA se deveram à gripe. Em Setembro, a espanhola atinge o continente americano.
Classicismo. Trata-se exatamente desse olhar que é lançado à antiguidade greco-romana, que muito mais que uma pura volta ao passado se constituiu enquanto uma reinterpretação desse passado.
Individualismo. Temos aqui a afirmação da perfectibilidade humana, que é expressa através da grandeza do homem e de sua capacidade de criação, uma grande valorização das imensas possibilidades de cada ser humano.
Hedonismo. (do grego hedone, que significa prazer). Afirmava a busca do prazer individual e imediato, especialmente o prazer espiritual que visa a auto-satisfação. Essa busca deveria se realizar de forma sensorial, utilizando-se para tanto da beleza contida no meio natural.
Naturalismo. É exatamente essa valorização da natureza, a integração do homem ao meio natural e ao universo como um todo. Tratava-se de descortinar o véu que limitava as capacidades inventivas humanas, superar o fantástico e o mítico que cercava o mundo, dando impulso à investigação naturalista.
Antropocentrismo (do grego anthropos, humano, e kentron, centro). Essa idéia faz referência a uma nova ênfase que se contrapunha ao teocentrismo, centrada em Deus, que dava grande poder à Igreja enquanto guia dos homens, que figuram como indivíduos sujeitos a vontade de Deus. Ao contrário, no antropocentrismo temos o homem como o centro do universo, aquele que é capaz de fazer a sua própria história, dominar o seu destino.
Espírito crítico. Trata-se da valorização do experimento, da verificação da natureza e da potencialidade de criação e capacidade humana em detrimento das explicações místicas e seculares proferidas pelos textos sagrados. Esse espírito crítico abriu espaço para o desenvolvimento das ciências, da matemática, da arquitetura, astronomia, física, etc.
Racionalismo. Sobretudo a valorização da razão. Segundo os pensadores racionalistas a verdade não pertencia ao campo do misticismo ou superstições, ao contrário, somente poderia ser aceito como verdade aquilo que o homem poderia compreender por meio do intelecto. O racionalismo foi fundamental para o gradativo decréscimo do poder e do monopólio que a Igreja tinha sobre o saber escrito.
A Dama do Arminho - Leonardo da Vinci
Esse “renascer”, essa vivificação do homem moderno encontra o seu contraponto em uma oposição à Idade Média, que passa a ser caracterizada, negativamente pelos pensadores renascentistas como um período de mil anos em que a Europa esteve encoberta por trevas. É um erro imaginar que o início do Renascimento marca uma ruptura intransponível entre a Idade Média e a Idade Moderna.
Em nada plausível, essa hipótese não tem o menor sentido uma vez que muitas relações predominantes durante a Idade Média continuaram tendo grande importância no período subseqüente, e por outro lado, muitos dos valores cultuados no Renascimento já eram conhecidos e admirados pelos homens medievais, como no caso da cultura clássica antiga.
A idéia central que fundamenta o Renascimento é o humanismo. O humanismo afirma a dignidade do homem, valorizando suas capacidades infinitas de criação, e o torna investigador da natureza. Durante a Idade Média o conhecimento esteve sob a tutela da Igreja, que era a detentora do saber oficial (saber teológico) que dava grande margem de poder e interferência na vida das pessoas. Os pensadores que passaram a ser designados como humanistas começaram a questionar os estudos tradicionais pautados no saber produzido pela Igreja, dando maior ênfase na razão individual e à evidência empírica para se chegar as conclusões.
Esse estudo levava em conta a necessidade de se recorrer aos textos originais greco-romanos, uma vez que para os humanistas essas duas grandes civilizações teriam sido as que mais intensamente valorizaram o ser humano em suas mais diversas manifestações.
Um exemplo do ideal renascentista está personificado na figura de Leonardo da Vinci: pintor, escultor, arquiteto, inventor, engenheiro, além de desenvolver estudos em diversas áreas como a anatomia humana, a óptica, mecânica, cartografia, física, hidráulica e urbanismo. O homem deixava de ser uma simples criatura vinculada à vontade de Deus e tornava-se verdadeiramente um criador, ou nas palavras de Shakespeare: “dentre todas as maravilhas do universo, nada se compara ao homem”.
Os ideais renascentistas ganharam dinamismo, sobretudo nas cidades italianas, entre as principais Veneza e Gênova, Florença, Siena e Milão. Entre os fatores que explicam o pioneirismo das cidades italianas deve se destacar a acumulo de riquezas proporcionadas pelo intercâmbio comercial e o monopólio comercia do Mar Mediterrâneo, fruto direto do movimento das Cruzadas. Outro ponto importante é a vigorosa tradição clássica presente na Península Ibérica, pelo simples fato de ter sido o berço do Império Romano. Como vimos o humanismo levava em conta uma retomada dos ideais clássicos greco-romanos, e nesse sentido, as cidades italianas ofereciam uma grande quantidade de ruínas e obras de arte que passaram a despertar grande interesse nos artistas e pensadores humanistas.
Outro fator que pode ter favorecido as cidades italianas é o fracionamento político. A Itália da época do renascimento não tinha a unidade política de um estado-nação, muito ao contrário era constituído de inúmeras cidades-estados que competiam entre si. Essa competição levou as grandes famílias das cidades italianas – que haviam acumulado muita riqueza – ao financiamento de inúmeros artistas e construções de grandes obras arquitetônicas.
A Nascimento de Vênus - Boticelli
Trata-se da primeira parte do conflito, conhecida como “guerra de movimento”. Os planos alemães, contudo, tinham sido elaborados a mais de uma década e ainda levavam em conta as mesmas estratégias utilizadas por Napoleão a mais de 100 anos, que previa o rápido descolamento de tropas.
A tentativa do avanço alemão e o seu respectivo fracasso deixava claro que uma nova forma de combate começava a se delinear. O avanço tecnológico alcançado nas últimas décadas tornara-se um empecilho para deslocamento das tropas, ou seja, os novos armamentos como a metralhadora, a artilharia, os tanques de guerra, o lança-chamas e a utilização de aviões faziam com que a guerra fosse muito mais mortífera. Já que nos deslocamentos as tropas ficavam desprotegidas, a sobrevivência dos soldados dependia da utilização de trincheiras.
Entre 1914 e 1915 quase 800 quilômetros de trincheiras haviam sido escavadas na frente de batalha que opunha os alemães a franceses e ingleses, tratava-se da Frente Ocidental. Nos anos seguintes (entre 1914-17) milhares de soldados conheceriam o inferno nesses buracos. Cada palmo do território inimigo era disputado à custa de milhares de vidas. Para se ter uma idéia, o território conquistado pelos beligerantes não se alterou mais do que 20 quilômetros durante todas as batalhas, isso em mais de três anos.
O que era para ser um ataque rápido transformou-se num impasse. Os beligerantes eram suficientemente fortes para resistirem aos horrendos combates. Com a situação indefinida na Frente Ocidental as potências trataram de tentar mostrar a sua supremacia no mar. A utilização de submarinos era uma arma importantíssima no corte de abastecimento de alimentos. É foi a afundamento do transatlântico Lusitânia pelos alemães que fez com que os Estados Unidos entrassem na guerra, em abrir de 1917.
Do outro lado da Europa (Frente Oriental), as tropas alemãs lutavam contra as forças russas. Contudo, as derrotas do exército russo começaram a evidenciar as fragilidades do regime, e em 1917, o czar Nicolau II é deposto. Um pouco mais tarde seria a vez dos bolcheviques tomarem o poder; estava em curso a Revolução Russa, um dos mais significativos episódios do século XX. A Rússia resolve então se retirar da guerra. Poder-se-ia pensar que a situação da Alemanha melhoraria com derrota dos russos, contudo, a maior preocupação dos alemães era o contínuo reforço de tropas americanas.
A entrada dos americanos parecia anunciar que o fim da guerra se aproximava. Contudo, muito mais importante do que as tropas americanas, a Revolução Russa apressava o processo que encaminhava o fim da guerra. A revolução espalhou o temor de que as idéias socialistas se espalhassem pelos países devastados e tomasse vigor em meio aos exércitos estraçalhados e desanimados. O medo dos motins espalhava-se por todos os exércitos. Era necessário acabar com a guerra, antes que a guerra acabasse em revolução social.
No ano de 1918 os alemães ainda tentariam suplantar as forças aliadas. Não conseguiram; seu poderio militar tinha se exaurido. Em julho o regime cai e o kaiser foge do país. Era o fim da guerra, mas não das rivalidades. Em novembro de 1918 é assinado um acordo que coloca fim no conflito, mas a pólvora estava espalhada por toda a Europa, e o estopim seria novamente aceso décadas mais tarde. O balanço trágico da Primeira Grande Guerra: nove milhões de mortos e pelo menos vinte milhões de feridos.
Mas como explicar a extensão dos conflitos e tamanha carnificina? A Grande Guerra foi marcada pelo princípio da vitória total, ou seja, o confronto entre as nações imperialistas era permeado pela pretensão a um status global único. As idéias de superioridade levavam as potências a travarem os conflitos até o esgotamento do inimigo.
Contudo, se a guerra foi total, a paz não. O sonho de uma paz onde não houvessem vencidos e vencedores cedeu lugar à imposição de uma paz altamente punitiva. Por meio do Tratado de Versalhes a Alemanha teve seu exército restrito, foi obrigada a se comprometer com reparações infinitas em relação aos vencedores, teve suas colônias tomadas, além do retalhamento de seu território. Enfim, se a paz tinha alguma chance, ela efetivamente acabou sendo recusada pelas potências vitoriosas no momento em que optaram em não reintegrarem os vencidos. O Tratado de Versalhes é responsável direto pelo nascimento de um extremo ressentimento e desejo de revanchismo na população alemã. A Primeira Guerra deixava abertas suas chagas, e elas não cicatrizariam.
A cartoon abaixo se refere à morte de uma civil. Os alemães aparecem como porcos, selvagens que não respeitam a população civil e cometem as maiores atrocidades imagináveis.
Entre os anos de 1871 e 1914 não ocorreram guerras que levassem as potencias européias a transpassar as suas fronteiras nacionais. Essa situação, contudo, estava prestes a mudar. Um eminente confronto entre as grandes nações imperialistas parecia para alguns apenas uma questão de tempo. Foi exatamente o que aconteceu em 28 de junho 1914. Ao fazer uma visita à Saravejo, capital da Bósnia (região que havia sido anexado ao Império Austro-Húngaro em 1908), o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono, é assassinado por um estudante ligado à organização secreta Mão Negra, grupo contrário aos planos do herdeiro do trono austro-húngaro, que pretendia anexar a Península Balcânica (e os povos eslavos) ao Império Austro-Húngaro.
O império Austro-Húngaro esperou três semanas para levar a cabo sua retaliação (tempo necessário para organizar uma ação militar) e com o apoio incondicional da Alemanha (sua aliada) encaminhou um ultimato à Sérvia, com uma série de exigências, inclusive, outorgando-se o direito de interferir nas investigações que apuravam os responsáveis pelo assassinato de arquiduque. A não aceitação dos termos do ultimato fez com que o Império Austro-Húngaro declarasse guerra a Sérvia, bombardeando a cidade de Belgrado.
A partir desse momento as alianças foram automaticamente acionadas: a Rússia, aliada da Sérvia coloca seu exército em ação; a Alemanha responde imediatamente aos russos e coloca suas tropas em marcha, atravessando o território belga (que interessava a Alemanha, mas se colocava como um país neutro); é a vez, então, da França e do Império Britânico socorrerem a Bélgica. Formam-se dois poderosos blocos: de um lado os países da Tríplice Aliança (Alemanha, Itália – que se declarou neutra no início dos conflitos –, o Império Austro-Húngaro e Império Otomano), do outro lado, a Tríplice Entente (com a Inglaterra, a França e a Rússia). O pavio havia sido acesso, e daquele momento em diante a guerra envolveria todas as grandes potências e quase todos os países. A “era da catástrofe” estava apenas começando.
Na imagem temos uma sátira que é favorável à Alemanha, onde a Rússia a França e a Grã-Bretanha aparecem como os “pacíficos amigos”. É claro, o que a caricatura pretende é realçar exatamente o contrário, ou seja, a suposta responsabilidade desses países no conflito.